terça-feira, 17 de novembro de 2015

Desculpas

Todos temos um lado escuro que ninguém nunca vê.
Uma face que insistimos em esconder.
Um traço de nossa personalidade que só nós conhecemos.
Aquilo que nos torna únicos.
Um detalhe que faz parte de nós, sempre fez.
                                         
Nosso grande erro é sempre culparmos nosso lado escuro pelos nossos defeitos.
Não. Nossa outra face não é feita de defeitos.
Nosso outro Eu não é um monturo de erros e vícios.
É sim, o que temos de mais singular.

Nossos defeitos são fruto dos nossos hábitos.
Somos escravos dos nossos caprichos por opção.
Dominados por desejos que nós mesmos escolhemos alimentar.
Somos assim porque decidimos e queremos.
Isso não é a manifestação de uma personalidade latente da qual não temos controle.

A vida é só um jogo, e o final é sempre o mesmo.
Todos vamos morrer.
Em função do que estamos vivendo?
A que estamos acorrentados?
O que parece ser tão necessário nem sempre é.
O que parece ser tão necessário quase sempre é dispensável e substituível.
Sempre temos uma escolha. Sempre. Sempre. Sempre.

Todos temos um lado escuro, que ninguém nunca vê.
Não use isso como desculpa.
O que somos é decisão nossa.

sábado, 17 de outubro de 2015

Memento Vivere

   Era sábado a noite. Ela poderia estar se preparando para sair, beber, dançar, implorar por atenção e aceitação. Conhecer pessoas, interagir com estranhos, pra no final sentir o mesmo vazio que tinha quando saiu. Mas ela preferiu ficar em casa, só de blusa, sentada no banquinho de couro na cozinha, bebendo energético sabor mirtilo e fazendo as unhas com um esmalte carinhosamente apelidado por ela de "vermelho-piranhão".

   O cabelo molhado, a franja embolada e presa num coque pra não atrapalhar o processo da pintura. Do celular vem o único som do ambiente, fora uma ou outra rajada de tiros vindos do morro. Uma mistura de rap paulista com samba. "É bom variar..." ela pensa e sorri. Os dedos ardem a cada pincelada de esmalte por causa dos "bifes" tirados com o alicate. O vermelho-piranhão se mistura ao sangue das cutículas feridas e ela ri da ironia da coisa, sem saber se o que limpava com a acetona era sangue ou esmalte.

   Ela abre outra lata do energético duvidoso, derrama cuidadosamente na caneca de Butterbeer e abre um saco de batatas, que são retiradas uma a uma, numa manobra arriscada, para não borrar as unhas. Olha para o líquido roxo de sabor curioso na caneca, sorri... "Essa minha mania de comprar qualquer bebida que tenha uma embalagem diferente..."

   A noite está quente. Ela olha pelo basculante da cozinha um prédio próximo, com suas janelas iluminadas e fica imaginando o que estariam fazendo as pessoas naqueles cômodos. Imaginou pessoas conversando e rindo enquanto na televisão o apresentador do jornal fala sozinho, sem ninguém dar atenção e o ventilador no teto gira preguiçosamente. Distraída, ela olha de relance para sala do próprio apartamento. As luzes apagadas e a televisão desligada. Mas isso não a entristece, afinal, o que há de errado em ser feliz consigo mesma? O que há de errado em apreciar os momentos mais irrelevantes como se fossem os mais importantes do mundo? Todo momento, bom ou ruim, é feito do mesmo material, o Tempo. Todos são parte de um mesmo todo, tudo é vida. O que os distingue é a importância que você dá a cada um...

...as latas de energéticos acabaram, e o conteúdo da caneca também. Ela segue pro seu quartinho, o computador ligado. Senta na cadeira desconfortável de madeira, e pára um instante para apreciar o mundinho que ela criou, e recriou, reinventou, e reconstruiu. Sua pequena bagunça, seu refúgio. Seu, e só seu. O pensamento a faz se sentir segura, ela fecha os olhos e suspira profundamente, sentindo um abraço invisível... Memento Vivere...

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Das coisas que a vida faz

"Essa sensação estúpida, de sentir e não dizer..."

De repente me veio aquela sensação estúpida de vazio aí resolvi fazer um balanço da vida.

  Acordo feliz, me sentindo tranquila. Está bem frio, e a vontade de sair da cama beira o zero absoluto. Olho para os lados, sinto saudade. Dá vontade de conversar até a garganta secar e a gente se pegar falando sobre os demônios de Maxwell ou qualquer outro assunto completamente aleatório. Tento espantar essa vontade, abanando as mãos no ar, prevendo a bad vibe que isso me trará, somado a um dia chuvoso seria uma combinação desastrosa. Levanto, faço café. Cheiro de café nunca falha em me deixar de bom humor. Escuto a buzina do padeiro, desço correndo. "Me vê dez." Exagero. Mas hoje vai ter sopa. Tomo café pensando em como eu adoro um café forte e quente num dia nublado. Sorrio, sentada num banquinho de plástico na cozinha, fazendo da tábua de passar roupa minha mesa. Falo sozinha, faço planos, escrevo uma lista de mercado. A faxineira chega. "Oi L.., vou no mercado um instante. Precisa que traga alguma coisa?""Traz um vidro de cloro por favor."

  Volto do mercado com cloro, e tangerinas. Adoro tangerinas e o jeito como o cheiro delas entra em você e gruda na sua alma, pra não sair nunca mais. Tangerinas... sorrio. Vou para a cozinha, os braços fracos de todo peso que carreguei do mercado até em casa. Porque a vida não é só feita de tangerinas e cloro. Arrumo tudo, começo a fazer o almoço. Já disse que hoje vai ter sopa?
 
 Comida pronta. Almoço. Recebo um elogio pela sopa. Sorrio. O dia está agradável.
  
  Enquanto lavo a louça penso sobre as coisas que a vida faz. Me sinto estranhamente em paz. Quero um abraço, daqueles bem apertados. Ok, vou me contentar em comer um suspiro. "Preciso escrever sobre isso." Vou para o meu quartinho secreto, que de secreto não tem nada. Armada com meu headphone novo, digito uma e outra frase, entre uma e outra estrofe de músicas nacionais que normalmente eu não escutaria. Ao que parece dentro da rua tem um bosque que se chama Solidão. Escuto coisas caindo e vou ver o que L... está aprontando.
Lembro que eu tenho uma monografia para escrever. Sou obrigada a fazer uma pausa.
  
O dia está estranhamente agradável, e atípico. Sinto saudades. Lá vem de novo a vontade de conversar até a garganta secar. Sorrio. Coisas que a vida faz.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Encerramento


  Não importa quanto tempo você investiu, nunca é tarde para interromper um projeto que não está dando certo.
  Temos a tendência de pensar que, porque demos tanto de nós, não podemos desistir. Que a desistência seria uma atitude covarde. Achamos que virar as costas para um projeto fracassado é admitir anos lançados ao vento, jogados fora, anos que não vão voltar. Nada acontece por acaso... nunca é tarde. Nunca é tarde para reconhecer o que já acabou. Nunca é tarde para identificar e aprender com os erros, guardar as boas lembranças e seguir em frente.
  Não pense que essa é uma atitude egoísta porque ninguém pode viver por você, ninguém pode reparar os seus erros e ninguém vai tomar as consequências no seu lugar. Essa vida é só sua, e você não pode ser responsável pela felicidade nem tristeza de ninguém. Da mesma maneira, não deixe que a sua felicidade venha de outro, porque as pessoas são falhas, e estão fadadas ao erro.
  Encontre a sua paz no encerramento, no fim. Porque o fim das coisas é melhor que o começo, o fim é a única certeza. Entenda e reconheça a sua chegada. Sinta-se abençoado com o que foi, e prepare-se para o que virá. Não deixe que a insistência no fracasso roube a sua vida de você e te prive das experiências incríveis que ainda virão.
  Pare de se preocupar, de tentar entender o que não é para ser entendido. Frequentemente somos vítimas de nosso próprio livre-arbítrio. Nem sempre a vida vai ter uma explicação para o que acontece. A culpa é sua. Assuma. Você iniciou o projeto, ninguém vai terminá-lo por você.
  Não evite o conflito, não fuja, não se esconda atrás da comodidade, da rotina. Não vai melhorar. Pode não piorar, mas nunca vai atingir o potencial que você sonhou.
  Você sabe, você sente, não negue. Não se negue o recomeço. Você lutou por isso, quantas inúmeras batalhas você travou na sua mente. Permita-se a vitória, liberte-se. Não é um ato covarde ou egoísta. Não foi perda de tempo, nem desperdício. Foi válido, não é mais. Não prolongue o tempo ruim ao ponto que ele invalide os tempos bons.
  Não tenha medo do encerramento. Nenhum ciclo novo se inicia sem que o anterior tenha terminado
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sexta-feira, 17 de julho de 2015

Princesinha de vidro

As águas mais límpidas estão nos poços mais profundos...
Cave... cave mais fundo. Não pense. Desça...
Não se incomode com o silêncio, ele será sua canção de ninar..
-*-
Pequena princesinha de vidro, não fique com medo de se quebrar...
Desça mais... deixe-se envolver pela escuridão, busque sua fonte mais pura.
O caminho, ninguém conhece, ninguém pode te ajudar...
-*-
Não chore, pequenina, esses machucados serão sua coroa...
Seque suas lágrimas e continue.. consegue escutar o som das águas correndo?
Lembre-se do que te trouxe aqui... Não desista, não fuja, você sabe que precisa disso. Essa jornada é só sua, só você pode concluir.
-*-
No mais profundo silêncio, na mais negra escuridão você vai achar o que precisa, você vai renascer e carregar com orgulho as cicatrizes do caminho... você vai encontrar sua força e descobrir que nada pode te machucar. Nada vai te machucar de novo...
-*-
O medo é uma fraqueza. Quebre-se, princesinha, mostre o que há por baixo. Não pense na dor, saboreie cada instante imerso nela. Sinta essa dor em cada um dos seus ossos. Faça dela sua chama. Purifique-se.
-*-
No final do caminho, mergulhe no vazio profundo, lave-se com suas águas mais puras, mais calmas. Sinta-se adormecer, amortecer, renascer...
-*-
... jogue fora sua máscara, pequenina, não esconda seus olhos... levante-se. Forte. Fria. Renascida. Rainha do seu próprio mundo. Aquela que governa, que decide, que julga.

Incontestável. Rainha de Espinhos.